*Reprodução da matéria da Revista Melhor RH, para a qual concedi entrevista.

Âncoras servem para deixar embarcações estáveis, seguras. Elas impedem grandes flutuações e mantêm os navios atrelados aos portos. Na década de 1960, Edgar Schein, Ph.D. em psicologia social, descobriu, ao analisar a carreira dos seus alunos do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que, ao longo da trajetória de carreira, havia também fatores que ajudavam os profissionais a manterem-se firmes aos seus portos. O que ele chamou de âncoras de carreira são as atitudes, necessidades, os valores e talentos dos profissionais que, desenvolvidos e bem trabalhados, auxiliam a delinear um horizonte mais claro de carreira. Ou seja, de um jeito ou de outro, determinamos nossas escolhas de carreira com base naquilo em que acreditamos. Parece óbvio até, mas quando foi a última vez que você parou para pensar se o que faz realmente representa o que acredita?

Depois de um tempo atuando no mercado financeiro, a administradora de empresas Elaine Carreira Sbrissa começou a sentir aquele desconforto. “Algo estava faltando”, conta. “Há uma pressão para que sejamos um modelo e sigamos rotas, mas muita coisa não fazia sentido para mim”, afirma Elaine, que, na empresa, apresentava avaliações de desempenho excepcionais e conseguiu promoções. Mesmo assim… “Não via propósito”, conta. Foi quando procurou um coach que ela se deu conta de um fator que a acompanhou desde os tempos de faculdade: o desejo de contribuir de alguma forma, de construir alguma coisa. Não deu outra: há quase três anos, deixou o banco e decidiu atuar também como coach e ajudar no desenvolvimento de outros profissionais. Essa, diz, era a sua missão.

Dedicar-se a uma causa e conseguir equilíbrio são as duas âncoras de Elaine. E ela descobriu isso fazendo um teste. “Temos um cálculo para que a pessoa descubra a primeira e a segunda âncoras”, afirma Elza Veloso, professora do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas, da Fundação Instituto de Administração (FIA), e autora do livro Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil. “Âncora é o que sustenta a pessoa na carreira, o que a motiva”, explica Elza. Ela conta que os valores de cada um determinam preferências, mas reforça que esses fatores não são estanques e mudam de acordo com vários critérios, como a realidade de cada profissional e mesmo aspectos de mercado – como o de agora, em que imperam incertezas econômicas.

Apesar disso, a professora afirma que pelo menos um grande fator acompanha a trajetória profissional da pessoa e que é perceptível nas experiências anteriores dela: é o traço de personalidade, o valor que independe de cenários, como no caso de Elaine.

Fatores de peso

E por que as âncoras são tão importantes? De maneira geral, elas permitem o alinhamento do caminho profissional de cada um. “Elas ajudam a ver a compatibilidade dos valores da pessoa com os da empresa”, explica a professora. Elas são padrões de comportamento impossíveis de serem ignorados: influenciam escolhas, visões e decisões de carreira. São fatores de peso, como ela define. Para determinar quais são as suas âncoras, o profissional olha para si e assume a responsabilidade sobre a própria carreira. “Tanto as empresas quanto as pessoas são responsáveis. A empresa é um agente social importante, mas quando a pessoa descobre e entende as próprias escolhas, ela toma decisões futuras mais conscientes”, avalia.

Foi o que aconteceu com Fabiano Conrado Odebrecht. Formado em administração, ele começou a carreira trabalhando na agência de viagens do pai. Logo percebeu, porém, que o negócio representava mais o sonho do pai do que dele próprio. “Não deu para eu me apaixonar, porque fui desenvolvendo gosto pelo setor industrial”, explica. Ainda assim, trabalhou com o pai por oito anos, mesmo inquieto. O gosto pela indústria e o lado empreendedor que puxou do pai fizeram o executivo arriscar a investir em uma indústria de exportação de granitos. “Precisava de novos desafios, mudar de cidade e sair da casa dos meus pais”, conta. “Ter 25% de um negócio meu era definitivamente melhor do que viver um sonho que não era o meu”, explica.

Eventualidades do mercado, como a flutuação agressiva do dólar, fizerem o negócio fechar alguns anos depois. O casamento com uma nutricionista, porém, despertou nele a vontade de empreender no ramo. Aqui, novamente, ele levou a cabo aquilo que tinha desde a época da faculdade: o gosto pela indústria, mas com foco em desenvolvimento de produto, e o desejo de empreender. E em 2012 abriu uma empresa de produtos lácteos.

No caso de Odebrecht, duas âncoras acompanharam sua trajetória, mesmo em negócios totalmente distintos: o empreendedorismo e o desafio. Ele percebeu cedo o que o movia e, por mais mudanças que tenha feito, seguiu basicamente os mesmos valores e necessidades que tinha e conseguiu, em cada negócio, realizar-se de alguma forma. Diferente de Elaine, Odebrecht conseguiu ter clareza sobre suas âncoras sem fazer um teste específico, mas quando percebeu o que queria, não deixou para lá – o que a maioria dos profissionais faz, por vários motivos.

Quando isso acontece não é apenas o profissional que sai perdendo, mas também a empresa. É que âncoras do profissional alinhadas aos valores da companhia impactam diretamente os resultados. “Fica muito melhor servir o outro a partir do que você de fato é”, afirma Rebeca Toyama, sócia da Academia de Coaching Integrativo. Para ela, muitos profissionais vendem no currículo o perfil ideal que a empresa exige para determinado cargo. “Isso nem sempre dá certo. É importante reforçar que a relação profissional deve ser de maturidade”, considera. Apresentar as habilidades, talentos e valores de maneira clara ajuda o profissional a encontrar a empresa que aceite essas prioridades – o que implica o aumento da motivação e, por consequência, de performance. “Casos de depressão estão conectados aos valores, que são as raízes das pessoas”, considera Rebeca.

Do lado da empresa, a escolha de profissionais com alicerces fora do lugar resulta em uma lista infindável de desvantagens. “O RH precisa entender quais são os valores das pessoas e compreender que um profissional adequado traz um resultado maior”, afirma a consultora. “A empresa não vai poder oferecer tudo, mas é preciso encontrar um equilíbrio. É uma mudança de modelo mental”, diz. Essa análise, conta, deve se dar não apenas no recrutamento, mas também nos momentos de transição e de promoção.

Na correria por resultados, dificilmente alguém para e pensa sobre o caminho que está traçando e, quando menos espera, já foi sugado pela dinâmica do mercado, tem suas energias esgotadas e se vê perdido. “O risco que o profissional corre quando deixa a carreira passar sem observá-la é que ele começa a fazer escolhas pouco condizentes com o que quer”, afirma Elza, da FIA. “Quando você tem alguma consciência, consegue planejar melhor”, explica. No fim, diz, as âncoras são instrumentos que dão maior clareza ao horizonte de carreira. E são mais efetivas quanto mais confuso e indeciso é o profissional.

Encontrar o caminho

Segundo Elza, os jovens tendem a ter como âncoras fatores como estilo de vida e causas. Empreendedorismo, por outro lado, tem crescido de maneira exponencial. Embora exista um teste que defina quais são as âncoras de cada um, dentro de uma lista predefinida por Schein (veja box), é possível descobrir o que sustenta. Basta reconhecer os próprios potenciais, os valores e se questionar sobre qual propósito se quer trabalhar. Parece simples, mas dá trabalho. Primeiro porque é preciso tempo e dedicação e, segundo, porque exige um alto nível de realismo de análise, uma dose alta de autocrítica. Apesar disso, Elaine Sbrissa garante que essa avaliação é necessária. Ela conta que hoje não sente mais vazio, somente uma vontade cada vez maior de se aperfeiçoar. “Encontrei o caminho, agora é preciso lapidar. O caminho é árduo, mas o resultado vale a pena todo esforço.”

Qual é a sua âncora?

Existem testes que ajudam os profissionais a descobrirem suas âncoras, mas dá para descobrir sozinho aquilo que o motiva de verdade. Pare, pense, questione e avalie:

  1. O que mais gosta e o que menos gosta no que faz
  2. O que o atraiu na empresa onde está
  3. O que mais o atraiu nas empresas anteriores
  4. Há algumas semelhanças entre as escolhas que fez até agora
  5. Quais desses fatores pesaram na decisão de agarrar cada oportunidade anterior
  6. Quais os fatores que fizeram você sair do cargo e da empresa
  7. Quais são os fatores de desistência mais comuns em todas as escolhas que fez até agora

Combine os fatores que fizeram você escolher cada oportunidade com aqueles que fizeram você desistir de cada uma delas. A partir daí, pense sobre qual propósito você quer trabalhar.

As âncoras

Ao avaliar seus alunos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o Ph.D. em psicologia social Edgar Schein verificou certos padrões de escolha, alguns dos quais mudavam de acordo com cenários pessoais e até econômicos. Em 1990, o especialista consolidou esses padrões em âncoras, com características distintas:

Competência técnica/funcional: o profissional aposta em oportunidades que possibilitem aplicar suas habilidades técnicas e esse é fator de realização. Pessoas dessa âncora não se interessam por gestão, principalmente quando essa oportunidade implica a desistência de atuar com seus talentos técnicos.

Competência /gerência geral: é o profissional que tem a responsabilidade absoluta por resultados. É quando ele valoriza a perspectiva de construir oportunidades que permitam integrar esforços de outras pessoas em suas próprias funções.

Autonomia/independência: o profissional procura funções que permitam flexibilidade. Dificilmente segue regras e restrições organizacionais. Segundo a professora Elza Veloso, da FIA, jovens têm normalmente esta como uma das suas âncoras.

Segurança/estabilidade: aqui, o que pesa é a oportunidade de ser bem-sucedido para ficar tranquilo. Profissionais dessa âncora preocupam-se menos com o conteúdo do trabalho e com o posto que se possa alcançar e mais com a promessa de garantia de emprego.

Criatividade empreendedora: segundo Elza, é uma das que mais crescem entre os profissionais. E não se trata apenas de abrir empresa. Há empreendedores dentro das companhias. São os que buscam a criação da própria organização, desenvolvida a partir de elementos de capacidade própria e disposição por assumir riscos.

Serviço/dedicação a uma causa: profissionais dessa âncora apostam em oportunidades que lhes permitam realizar “algo útil”. Elas procuram essas ocupações mesmo que haja a necessidade de mudar de organização.

Puro desafio: aqui, profissionais agarram oportunidades de trabalhos que têm o objetivo de buscar a solução de problemas aparentemente insolúveis. Quanto maior a variedade e a dificuldade do trabalho, mais atrativo ele é.

Estilo de vida: o profissional não abre mão do equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Ela aposta em oportunidades de carreira que lhe deem flexibilidade para alcançar essa integração. A identidade está vinculada ao modo de viver, em diferentes expectativas.

Imagem: chuttersnap | Unsplash.com

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